Roteiro Inacabado

"O que você faria se não tivesse medo?"A pergunta visitava sua mente de minuto em minuto, em uma repetição enlouquecedora. Procurava centenas de respostas, mas, no fundo, já sabia."Arriscaria para ser feliz".E foi assim que ela resolveu.

29 de jun. de 2009

PANIS ET CIRCENCES (Um nariz de palhaço me cai bem)

Eu adorava o Bozo.Ok, também tinha um pouco de medo – e não sou a única que tem medo de palhaços.
Mas eu adorava o Bozo porque ele me fazia rir todas as tardes, especialmente dos seus cabelos arrepiados em todas as direções, sua maquiagem mal feita e de seu grande nariz vermelho. Sempre fazendo brincadeiras pra deixar todo mundo sorrindo, amigo da criançada, motivo de alegrias, risadas e bom humor, o Bozo era espontâneo e divertido. E cada vez que o Bozo dizia “Oi amiguinho!”, eu sentia que era para mim. Ele me cumprimentava! - e eu amava o Bozo.


Até que um dia uma criança mandou o Bozo tomar no cu. E naquele dia, o Bozo se tornou a minha Primeira Grande Decepção, ao sair pela tangente e dizer “O que, amiguinho? Sua casa está cheia de urubu?”, em vez de retrucar um sonoro vai-à-merda.

Não sei se foi meu primeiro exemplo de passividade diante das peças e ingratidões da vida, mas nunca me recuperei. E arrisco dizer: o Bozo é quem devia pagar a minha análise.


Quantas e quantas vezes não recebi um “bozo-vai-tomar-no-cu” e fingi estar falando sobre urubus? Quantas vezes me deparei com a realidade nua e crua, e por conta da minha imensa incapacidade de admitir falhas e imprevistos, olhei pro outro lado, na esperança de que, ao olhar de novo, ela não estivesse mais ali, sorrindo para mim? Quantas vezes fingi estar fazendo coisas por amor e apreço, quando na verdade era uma simples questão de precisar me virar?


Ainda hoje me pego em situações em que, se poderia reclamar da falta de honestidade/clareza/objetividade alheia, não posso me dizer menos do que responsável por cada uma destas atitudes que tanto me ofendem. Minha mania de demonstrar força e superioridade frente aos vai-tomar-no-cu da vida já adquiriu uma precisão suíça, de uma ciência exata, e se tornou difícil tirar do meu rosto um sorriso que, tal como o do Bozo, é absolutamente fake.


De repente, não mais que de repente, como uma rolha que aflora numa superfície líquida, vejo a imagem: estou em meio do picadeiro, vestindo sapatos enormes e equilibrando pratos, uma cartola na cabeça. Na platéia, todos aqueles que um dia, invariavelmente, me atiraram pipocas. Tento, piada após piada, arrancar uma risada sincera que não seja de meu comportamento ridículo, de minha falsa sensação de segurança enquanto jogo para o ar dezenas de bolinhas e tento pegá-las novamente. O resultado é sempre um definitivo fracasso.


A platéia se enche, as pipocas se tornam tomates. E os tomates se tornam pequenos objetos cortantes, que fazem pequenos machucados, pequenos arranhões no ego desta criança-palhaço, que nunca desiste de agradar a platéia, de recuperar no ar suas bolinhas, suas memórias, seus amores, suas falhas, suas lutas.


O sino toca. Abandono meus pratos, minhas bolinhas, minha cartola e minha fantasia. Tento retirar a maquiagem e tenho certa dificuldade, pois já faz parte de minha pele há muito tempo. Saio da tenda principal em cima de saltos, e acredito que o show acabou. Não olho para trás.


Entretanto, minha primeira olhada no espelho revela a força de toda a minha fraqueza e de minha subjugação: grudado, justo, reluzente, rindo e acenando para mim, um grande sorriso pintado de vermelho.


E um incansável nariz de palhaço.

2 comentários:

Tamara disse...

saudade de vir aqui e me encontrar no que tu escreve...

tb tenho medo de palhaço mas sou um pouco Bozo...

Tamara disse...

sempre é bom vir aqui me encontrar no que tu escreve...

tb tenho medo de palhaço mas me sinto o Bozo às vezes...